segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Conversando sobre filosofia medieval

A História da Filosofia Medieval
Denis Espanhol
Aluno do curso de Licenciatura em Filosofia pela Puc-Campinas



1. Idade Média: Período das trevas ou não?
O homem desde sempre tenta explicar o motivo pelo qual as coisas ocorrem. Seja através de mitos, como antigamente, ou pela experimentação moderna científica. No núcleo da crença humana encontramos duas esferas à disposição de todos: a fé e a razão. Na chamada “Idade das Trevas”, a Idade Média, encontramos a razão a serviço da fé. Até a chegada dos Racionalistas, que vão trazer esta “serva” de volta a luz.
            A Idade Média é vista com desprezo. Uma era em que o povo tinha trinta anos como estimativa de vida. Os camponeses comiam grama, pois lhes era proibido comer o que plantavam. Enquanto isso os nobres e o clero mantinham o esbanjamento das necessidades básicas. Mas, nos bastando ao âmbito intelectual, diríamos que este desprezo está no fato de que era a Igreja quem continha a sabedoria e o estudo dos pensadores antigos. Ainda assim nada produziram de novo, apenas utilizaram o pensamento filosófico ao seu favor, no caso, ao favor da teologia. Isso, para alguns dos futuros intelectuais, será considerado uma grande tolice.
            Os maiores críticos da “Idade das Trevas” fazem parte de uma corrente de pensadores hoje conhecida como racionalistas. Surgidos na época do Renascimento, fizeram com que a razão fosse considerada suprema e a fé e sua teologia um erro intelectual. O antropocentrismo nasce neste berço em que o homem se basta e sua razão é a luz da verdade. A relação com o transcendente, portanto, é desprezada e cortada.
            Acredito que essa realmente pode ser considerada a “Idade das Trevas”. Apesar de instrumentos importantes terem sido criados nesta época, foi nela que a Igreja mostrou-se uma grande hipócrita na sua missão de evangelizar. Os seus pensadores foram importantes para a história e principalmente para a fé. Porém ainda assim impediram que o “conhecimento pagão” se ampliasse para além da teologia.
            Podemos entender teologia como a fé que se utiliza da razão para poder ser compreensível. Ora, isso é mais do que necessário para entender o papel da filosofia como serva da teologia. Até hoje, no âmbito intelectual da Igreja, a razão (filosofia) serve a fé (teologia) para levar ao conhecimento da verdade última e revelada (Deus). O problema da Idade Média foi à repressão e crueldade que em seu contexto histórico é aterrorizante.

2. A relação entre fé e razão
O legado grego formou o homem do ocidente. Os fatores não partem necessariamente do helenismo, mas sim do Cristianismo que trouxe em seu âmago o “pensamento pagão” para os dias atuais. Seja em sua doutrina ou nos livros antigos guardados e traduzidos. Os gregos, através da Igreja, são responsáveis pela formação intelectual do homem ocidental. Portanto, em nossa história encontramos um grande relacionamento do pensamento e da crença, oriundos dos gregos e cristãos.
            Quando o Messias que os judeus tanto esperavam foi crucificado pelos mesmos houve um grande acontecimento na história. Nascia por meio de seu sacrifício um grupo pequeno, mas dedicado a levar o Evangelho aos confins do mundo: os cristãos, assim chamados posteriormente. Diferentes dos judeus viajaram para levar a palavra revelada. É por meio disto que a fé no crucificado encontrará o logos grego.
Paulo de Tarso foi evangelizar em Atenas, a cidade helênica, e após algumas falhas conseguiu frutos. Este resultado dará a luz aos apologistas, os primeiros a defender a fé utilizando a razão. Aqui encontramos pela primeira vez o diálogo entre essas duas vertentes do conhecimento humano. Os textos defensivos da fé, por meio da razão dos apologistas, darão ao Cristianismo uma nova luz e um sentido diante das perseguições que o Império Romano insistia em realizar.
O Imperador Constantino dá liberdade de culto ao Cristianismo. Isto fez com que o poder temporal e o poder espiritual cristianizado fossem um. E a partir daí, os cristãos tinham mais tempo para pensar o que é certo ou errado para sua fé, dogmatizando-a. Os escritos dos pensadores gregos sobreviveram tempo suficiente para os intelectuais cristãos os guardarem. Plotino acabou dando aulas para alguns destes religiosos. E percebemos seu pensamento neo-platonista presente no credo niceno-constantinopolitano. Cada vez mais o pensamento grego se interliga com a fé cristã. Outro exemplo importante é o de Agostinho de Hipona que “transforma” o bem ideal de Platão na ideia do Deus cristão.
No Medievalismo o diálogo encontra um desequilíbrio. É a fé que agora vale mais que a razão. A filosofia, condenada por alguns como “pensamento pagão” é então utilizada apenas para provar o pensamento teológico. Encontramos um marco no pensamento de Tomás de Aquino. Utilizando do pensamento empírico de Aristóteles, cria racionalmente as cinco vias que buscam provam a existência de Deus. Aqui há o domínio da fé.
Por fim, o Renascimento inverterá os lados, e a razão ganhará espaço sobre a fé. Mas a história prova que estes dois caminhos funcionam melhor em diálogo mútuo. Os extremos são perigosos (fideísmo e reacionalismo). Portanto, é necessário buscar sempre o equilíbrio. Pois, como diz Aristóteles a virtude está no meio. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Falando sobre política...



A política e os cidadãos
“A política é a forma mais nobre de se exercitar a caridade cristã” Paulo VI
Por Marcos Cassiano Dutra



Quando o assunto sobre a política bate a porta de nossas conversas informais ou formais, logo alguém diz: “Política não se discute” ou “Não gosto de política!”. Esse sentimento de desprezo para com a atividade política está presente na população, e os motivos são vários, um deles é a descredibilidade gerada pela corrupção de alguns políticos ou partidos no uso do poder ao longo da história, como agora no presente.
             
É lamentável o conformismo dos que não querem nem tocar no tema política e se limitam apenas a votarem nas eleições sem nenhum critério na escolha de seus candidatos, simplesmente para cumprir um ritual a cada quatro anos. A participação na vida política do bairro, cidade, estado e país é um elemento-chave para se fortalecer uma democracia participativa. Quanto mais pessoas participam e acompanham de perto as decisões, projetos e a trajetória dos que ocupam algum cargo público, mais consciente uma sociedade é e menos serva do interesse de pequenos grupos elitizados ela se tornará.
            
Porém, para que uma sociedade seja verdadeiramente politizada e democrática, é necessário que seus eleitores e eleitoras tenham em mente a importância do exercício do direito inalienável à cidadania. Quando os cidadãos se identificam com a sociedade a que pertencem, eles são capazes de enfrentar seus problemas sociais e políticos somando forças para solucioná-los, porque estão integrados, unidos, engajados em torno de um objetivo geral: o bem comum.
             
O homem assim como é um ser social, é também um ser político. Não há humanidade alguma que escape desses dois aspectos humanos: a sociabilidade e a politicidade. A sociedade é o ambiente propício ao estabelecimento das relações humanas e a política uma forma de garantir o acesso de todos aos bens básicos para sua dignidade humana, além de salvaguardar a convivência pacífica da população diante de fenômenos sociais como a violência.
            
Dois filósofos antigos, Platão e Aristóteles, formularam teorias políticas interessantes e que até hoje têm algo a nos dizer. Para Platão a política está profundamente ligada às virtudes do dirigente, do político, que deve ser justo, tendo em vista a justiça política. Aristóteles acredita que a política está relacionada à virtude das instituições, as quais competem executar uma justiça distributiva. Ambos concordam numa coisa: a política é a qualidade de uma cidade justa, quer pela atitude do político justo como pela ação das instituições justas. Na atualidade também precisamos de bons políticos que não se sirvam do poder instituído, e sim sejam servidores. Quem sabe você leitor não seja esse bom político?!
             
Nestes tempos em que as recentes manifestações nas ruas deram novo enfoque à política brasileira e ao povo brasileiro, cabe se perguntar – Como esses protestos populares podem colaborar para a participação política dos brasileiros? Isso tudo foi apenas um entusiasmo passageiro ou um despertar para a transformação? E os políticos a nível municipal, estadual e federal, como estão respondendo a pauta das reivindicações das “vozes das ruas”?
             
O próximo ano de 2014 será de eleição a nível nacional. Não deixe para pensar em política só na urna eleitoral. Comece agora a se engajar nessa causa que é um problema nosso e cuja responsabilidade direta e indireta perpassa a consciência que temos sobre o voto e a militância política.

Os desafios da Igreja



Uma Igreja diferente?
Por Marcos Cassiano Dutra



Quando o exemplo vem de cima, as bases são capazes de conversão. Eis o que acontece com a Igreja Católica neste alvorecer do pontificado do Papa Francisco, não que seus antecessores foram menos exemplares, pois a personalidade de cada pontífice é especial ao Cristianismo e contribui de forma específica no pastoreio do Rebanho do Senhor.
            
 Porém, Francisco vem superando as expectativas com seus gestos, palavras e ações proféticas, indicando aos cristãos e não-cristãos eloqüentes sinais de esperança. Por isso é possível acreditar numa reforma do catolicismo e na unidade dos cristãos a partir da herança pastoral aos poucos sendo construída no “pontificado franciscano” de Bergoglio. Uma reforma e unidade que deve nascer humildemente da conversão diária de cada fiel, especialmente dos pregadores e membros da hierarquia.
             
Conversão, palavra derivava do grego metanoia, que significa mudança de mentalidade ou mentalidades. Eis, portanto, a palavra-chave para os cristãos e o catolicismo: mudar, com a graça de Deus, as mentalidades materialistas, burocráticas e imorais que maculam a fé cristã, prejudicam a evangelização, ferem a santidade da Igreja e reduzem a teologia a um discurso demagógico, anacrônico e condenatório. O resultado dessas mentalidades que distorcem a mensagem e a vida cristã, deformando o rosto da Igreja, é a hipocrisia religiosa. Esse é o desafio que Francisco, em nome de Cristo, nos convida a enfrentar de maneira penitente.
            
É uma Igreja diferente que se apresenta e o Concílio Vaticano II que, passados 50 anos de sua solene abertura, torna a soprar o vento do Espírito Santo na vida da Igreja por meio do Papa que veio “do fim do mundo”. Nada acontece por acaso, e todo esse clima de alegre expectativa pelo futuro é, não só resultado de entusiasmos, mas sinal de um árduo caminho evangélico cuja finalidade é reconfigurar em Jesus Cristo, e na opção preferencial pelos pobres, a fisionomia da Igreja em um contexto maior, o qual abarca em si todo o Cristianismo e os homens e mulheres de boa vontade.
             
Tal qual o papa que pede sempre – “Rezem por mim!” – nós também  o devemos fazer, porque de fato, só haverá a conversão dos cristãos e as transformações necessárias na vida da Igreja, mediante um exercício constante e sincero da oração. Acredito nessa Igreja diferente que Francisco nos exorta a viver, e espero enxergar no clero a mesma esperança que nosso querido Papa nos convida a praticar em simplicidade, austeridade, espiritualidade e verdade.  

Qual a essência da teologia católica?



Teologia por que e para quê?
Por Marcos Cassiano Dutra


"A Teologia é uma ciência 'de joelhos'". Assim definia o teólogo Hans Urs Von Balthasar (1905-1988), quando indagado sobre o que viria a ser o pensamento teológico católico? Para ele a teologia deve estar sempre ligada à espiritualidade, caso contrário se restringirá a uma análise tão somente sistemática da fé, esquecendo-se daquilo que a move e faz ser mistério: o sagrado. E, na esfera do sagrado, está à adoração, a oração, portanto, a espiritualidade, que é uma maneira própria e bem vinda de se compreender a crença.

             
De fato não há teologia católica que seja fiel ao Evangelho de Cristo e a doutrina herdada dos Apóstolos sem o caráter espiritual que a favorece em seu estudo. Isto, muito tempo antes de Von Balthasar, o grande Agostinho de Hipona já expressava ao dizer: creio para entender, entendo para crer, isto é, sem o crer, que aqui denota a interação espiritual entre o intelectum fidei e o mistério de Deus, não há perspectiva coerente no campo teológico, a qual realmente transmita a essência das verdades de fé e as estudem dentro da sistematicidade científica da teologia.

             
Isso ao longo da história da Igreja foi debatido entre as escolas bíblicas de Alexandria e Antioquia no que tange a interpretação literal e a interpretação alegórica da Sagrada Escritura. Para a primeira bastava tão somente entender o sentido literal das palavras dos textos sagrados, já para a segunda, era preciso ir além do sentido literal e compreender as entrelinhas das expressões de linguagem usadas na escrita dos textos sagrados, buscando assim o seu sentido espiritual.

            
 Agostinho é quem irá, posteriormente, fazer a conciliação entre uma e outra perspectiva hermêutica cristã dos textos sagrados, por meio de sua teologia agostiniana da iluminação divina, do mestre interior (De Magistro) que ajuda-nos a entender nos textos sagrados, que possuem uma linguagem humana (histórica), os significados da linguagem divina (mistagógica) lá expressos, partindo primeiro da compreensão literal das palavras a fim de chegar ao entendimento do sentido espiritual nelas expresso.

             
Mas o que isso tudo tem haver com a teologia católica na contemporaneidade? Isso tudo transmite um desejo importante: que o pensamento teológico não perca sua essência. O diálogo com as demais ciências é bem-vindo e favorece o estudo da teologia, são instrumentais auxiliadores. Todavia, a teologia católica primeiramente deve deixar-se auxiliar pela espiritualidade cristã, caso contrário deixará seu foco principal e se reduzirá a interpretações teológicas equivocadas e que não correspondem a função própria da teologia: colaborar para a compreensão dos mistérios da fé e favorecer a prática evangélica da vida cristã.

             
Hoje a teologia católica observa isso? O que lhe falta para ser mais teológica e menos cientificista? O que mais atrapalha o desenvolvimento da teologia católica, a arrogância de alguns de seus intelectuais ou a hipocrisia de outros alguns na hierarquia, os quais aprisionam o pensamento teológico? Existe a possibilidade de comunhão nesse caso ou isso é apenas uma demagogia acadêmico-eclesial?
 

Qual a importância da relação entre fé e vida?



A experiência da fé na vida
Por Marcos Cassiano Dutra


Há uma citação do teólogo brasileiro Leonardo Boff que considero crucial para iniciar a reflexão sobre a experiência da fé na vida do ser humano. Diz o pensador: “Experimentar Deus não é pensar sobre Deus, mas sentir Deus com a totalidade de nosso ser”. Essa frase extraída do livro Experimentar Deus, a transparência de todas as coisas, quer propor a todos os crentes um percurso diferente na compreensão do sagrado, o qual não deve ser apenas reduzido ao pensamento, mas ampliar-se para a esfera do sentimento, não como fuga ou alienação e sim como caminho espiritual cuja finalidade é colaborar na relação entre a humanidade e o divino.

            
Por muito tempo a fé cristã limitou-se exclusivamente ao ambiente sistemático do pensamento teológico como via para se experimentar (conhecer) Deus. Isso fez com que de um lado houvesse um gigantesco número de tratados teológicos, e de outro a imensidão de pessoas distantes do conteúdo básico da fé, pois este acabou tornando-se um monopólio doutrinal dos teólogos e da instituição e aos poucos se dissociou do cotidiano das pessoas, criando dessa forma uma fé de documentos e não de práticas concretas e de engajamento.
            
Leonardo Boff ainda ressalta em sua análise da fé dentro da religiosidade exclamando – “Falou-se tanto de um Deus sem mundo que apareceu o mundo sem Deus”. A demonização do mundo trouxe sérias consequências ao Cristianismo, a começar pela decadência e cisma na cristandade e a crise na relação entre Igreja e mundo que o Vaticano II tentou resolver ao fomentar o diálogo com a sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes que exorta:  “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.”
            
Como enfrentar hoje o a problemática religiosa de um mundo sem Deus? O desafio é recompor a essência que marca a prática da fé cristã nos primórdios do Cristianismo. Os primeiros Cristãos eram reconhecidos como tal por meio do testemunho de vida que davam. Portanto, a experiência da fé na vida não é um assunto novo, é um tema genuinamente ligado com a tradição cristã e cuja centralidade está na interação necessária entre fé e vida.
             
Importante é saber que de nada vale qualquer trabalho intelectual sobre a fé, se primeiro essa fé não é cultivada e exercitada na teologia do cotidiano, aonde a escola da vida também é capaz de ensinar religião.
 

Francisco e a Igreja dos pobres



Francisco e a Igreja dos pobres
Por Marcos Cassiano Dutra


Já se tornou comum definir o novo Papa Francisco como sendo “o Papa dos pobres”. Essa identificação do sucessor de Pedro com os mais necessitados não é de hoje, vem desde a época apostólica, quando se criou o Óbolo de São Pedro, uma popança cuja finalidade não é obter lucro, mas sim colaborar para com a caridade pessoal do Santo Padre em sua pastoralidade universal de Roma para todo o mundo cristão.
            
Francisco, o primeiro Papa vindo da América Latina, que pastoreava seu rebanho na periferia da América do Sul em Buenos Aires, trouxe para Roma toda a perspectiva evangélica da experiência teológica latino-americana: a opção preferencial pelos pobres, um tanto quanto esquecida por alguns setores da Igreja, mas viva e atuante em outros tantos organismos eclesiais e missionários. Com seu jeito latino de ser pastor, nosso Papa dá um testemunho de simplicidade e ao mesmo tempo de compromisso pela causa do Reino de Deus - a vida em plenitude para todos e todas.

             
Em sua primeira viagem apostólica depois de sua eleição, realizada há poucos dias aqui no Brasil durante a edição da Jornada Mundial da Juventude, quis o Papa se encontrar com os mais pobres na comunidade social e paroquial de Manguinhos na cidade do Rio de Janeiro. Lá visitou a pequena e modesta capela de São Jerônimo Emiliani, visitou a casa de uma família da paróquia e discursou em um campo de futebol para uma platéia de gente simples, mas vivida, sofrida, mas cheia de esperança e amor. Era notória a alegria do Santo Padre em estar junto ao povo e com eles falar, ouvir, ver e tocar, isto é, sentir o cheiro do rebanho. Seu discurso, acompanhado com atenção e entusiasmo pelos presentes, foi um dos mais belos feitos por ele enquanto esteve visitando esse país de um povo que tem coração, como ele mesmo ressaltou em seu primeiro pronunciamento junto à Presidente do Brasil na cerimônia de boas-vindas.
           
             
Fé, esperança e caridade são as três virtudes teologais que santificam a vida do cristão pelo seu exercício contínuo. Eis o que Papa Francisco fez em sua visita a nação brasileira: confirmou-nos na fé, animou-nos na esperança e exortou-nos à caridade que não é assistencialismo, mas sim fraternidade, promoção humana e defesa da vida e dignidade do homem. Nesse sentido, as obras sociais de caridade crista mantidas pela Igreja Católica no Brasil são expressão dessa prática da virtude teologal da caridade. Um cristão que não tem caridade, não tem amor. E o próprio Deus é amor, portanto, sem a pratica da caridade não há nenhum encontro entre a humanidade e o sagrado, pois esse encontro só acontece se houver a dádiva da atitude de amar e ser amado, que perpassa profundamente a relação dos homens entre si na vida social.

            
Assim esclarecia o Papa ao dizer que o progresso de uma nação não se medem pelos índices econômicos, mas sim pela maneira com a qual ela trata seus cidadãos mais pobres e enfermos. Por isso, continuava Francisco, é necessário ir as periferias existenciais, ir ao encontro dos pobres, porque na consumação dos séculos, diante de Deus, não seremos julgados por outra coisa a não ser pela atitude de misericórdia e compaixão que tivemos para com os mais necessitados, destinatários privilegiados do Evangelho nos quais e aos quais o mistério de Deus se revela. São os pobres um dos sinais da presença real de Cristo em nosso meio, hóstias vivas nos altares do cotidiano esperando nossa ação social cristã para que a vida aconteça e viva com saúde e dignidade desde sua concepção até seu natural declínio.           
            
 A ação caritativa da Igreja num contexto geral se deu por meio das Santas Casas de Misericórdia, asilos, educandários e orfanatos. Vários santos e santas fundaram congregações religiosas com essa finalidade de praticar a caridade cristã. Isso não foi diferente no Brasil, no qual a Igreja Católica desempenhou um papel social muito influente e importante, o próprio serviço de assistência social surgiu na Igreja, com as mulheres católicas, foi somente no governo de Getúlio Vargas que ela passou a ser uma ação diretamente do poder público, até então estava nas mãos da religião. A finalidade da caridade cristã não é converter pessoas para o Catolicismo, antes é uma forma de fazer a experiência fundamente do mistério de Cristo presente nos mais sofredores, e garantir-lhe a ajuda necessária quando se fecham as portas para essas situações humanas que merecem atenção redobrada.
           
             
Essa é a Igreja de Francisco, a Igreja pobre com os pobres e para os pobres. Longe de ser uma santificação da miséria, pois a miséria é um problema humano e não vontade divina, é o retrato de nossa maldade que faz desigualdade entre pessoas dividindo-as em classes econômicas. Uma Igreja pobre é uma Igreja despojada da ambição e da ganância, e repleta de amor e compaixão, uma Igreja ciente de sua missão de ser sinal vivo e atuante da presença de Cristo que transforma a realidade no projeto do Reino de Deus.

 

Qual é Igreja de Francisco? Parte II



Qual é a Igreja de Francisco?
Por Marcos Cassiano Dutra



Desde que foi eleito para ser o líder máximo dos católicos, o Cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio vem surpreendendo não só os fiéis, mas todo o mundo ao expressar uma forma peculiar de ser pastor, algo que adotou para seu papado, o qual está apenas começando.

            
Sua popularidade, conquistada dentro e fora da religião, é um fator positivo, por isso muitos se perguntam – Qual é a Igreja de Francisco? Para responder a essa pergunta inquietante é necessário recorrer a uma análise de seus gestos, palavras e ações, porque é neles que se transparece o perfil eclesial que o primeiro Papa latino-americano irá aos poucos efetivar no Catolicismo a nível mundial.
             
A Igreja de Francisco é dos pobres. Eleger um cardeal da América Latina significa uma atenção especial aos mais empobrescidos. Francisco é um Papa que vem “do fim do mundo”, como ele disse em sua primeira aparição pública, ou seja, vem da periferia para o centro do poder religioso católico, trazendo consigo na bagagem toda a experiência teológico-pastoral da Igreja na América Latina.
             
A Igreja de Francisco é dinâmica e maternal. A sua presença na celebração da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro propiciou que o primeiro Papa latino-americano realizasse sua primeira viagem apostólica ao seu continente de origem desde que foi eleito em março de 2013. Sem dúvida alguma o Brasil foi o lugar providencial no qual Francisco expôs, no bom sentido do termo, a vitrine de como será seu pontificado.
             
A Igreja de Francisco é comunhão. Desde que foi eleito Pontífice, não deixou de fazer menções honrosas ao seu antecessor, o Papa emérito Bento XVI, demonstrando assim unidade para com a herança deixada pelos oito anos de pontificado do Papa Teólogo Ratzinger. Uma prova disso é a convivência amistosa entre ambos no Vaticano e a promulgação da Encíclica “Lumen Fidei”, cuja escrita foi iniciada por Bento.
             
A Igreja de Francisco é simplicidade. O estilo simples que Bergoglio vive seu cotidiano como Papa chama a atenção de todos. Sua personalidade desapegada, que renunciou as pompas eclesiásticas, as quais por direito ele poderia utilizar como Pontífice Máximo da Santa Igreja, e, ao mesmo tempo a forma com a qual ele se apresenta aos fiéis – “sou o bispo de Roma”, são sinais de que a Igreja, em um contexto maior, deve se reaproximar dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência. O nome escolhido – Francisco – indica uma ligação espiritual com a espiritualidade franciscana, de uma Igreja modesta, humilde, austera, penitente e profundamente próxima dos pobres e sofredores, dos mais simples.     
             
É cedo demais para definir se Francisco será semelhante ao São Francisco de Assis: um reformador da Igreja dentro dela. Porém, é consenso que seu pontificado conduzirá o Catolicismo para um novo tempo de diálogo com o mundo atual e com setores internos da própria Igreja Católica Apostólica Romana. Estamos diante de uma nova época para a história da Igreja?