sexta-feira, 13 de abril de 2012

Transcender a sexualidade

Moral, sexo e religião
A relação entre religiosidade e sexualidade humana
Por Marcos Cassiano Dutra


Sexo, palavra curta, mas muito tocante a todos os seres humanos, pois significa algo que vai da intimidade de uma pessoa para com a outra, numa atitude que chamamos de amor Eros. Sexualidade, outra palavra correlacionada, porém mais abrangente. Não se reduz propriamente ao genital e sim a toda corporalidade do homem enquanto ser vivo, dotado de capacidade afetiva no relacionar-se com os demais na vida, quer social, familiar e religiosa. Sexo e sexualidade são dois assuntos que tocam profundamente a realidade religiosa. A religião é formada visivelmente por pessoas, homens e mulheres, que são assexuados, que carregam consigo o potencial humano do sexo. Cada religião possui uma reflexão de fé acerca do ato sexual e da manifestação da sexualidade humana. Dá-se o nome dessa reflexão de teologia moral, dado que sexo e sexualidade são por índole atos e atitudes de cunho moral, ou seja, da consciência humana e de um convívio social pautado em bons valores culturais, transmitidos ao longo do tempo, pela família, comunidade, instituição ou grupo religioso.  
             
As reflexões da crença sobre o sexo e sexualidade humana são várias e específicas, entretanto todas apontam para algo maior que transcende a simples aparência assexuada do ser humano: o Transcendente. As crenças religiosas, especialmente o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, entre outras manifestações religiosas ocidentais e orientais, admitem ser o sexo uma qualidade natural e ao mesmo tempo sobrenatural do homem, pois o humano é parte integrante do mistério da vida e o sexo e a sexualidade são em si os sinais sensíveis desse mistério existencial que circunda, envolve e acompanha a vida humana desde sua concepção até o desfecho final do existir temporal, a morte. Ninguém tira de si a sexualidade e os desejos sexuais. A sexualidade e os desejos eróticos são parte do eu humano, é o meu ser, é também a minha identidade enquanto ser vivo racional e a oportunidade natural de prosseguir a minha existência em outro, que se tornará em potência uma vida humana corporal apartir da união sexuada entre os gêneros feminino e masculino. É um aspecto físico da realização natural e pessoal do ser no exercício de seu gênero, seja ele masculino ou feminino ao procriar-se ou relacionar-se. Por isso a crença é unânime ao reconhecer a importância da família, como núcleo elementar do desenvolvimento saudável da sexualidade do ser humano.
            
 Mesmo sendo encarado pela reflexão religiosa como um dom divino, o sexo e a sexualidade, em certa medida, ao longo do tempo, foram ignorados pela esfera da religião. O caráter sexual do homem ficou em segundo plano. Seu eu humano voltava-se exclusivamente para a realidade transcendental da alma em desprezo da realidade transcendental do corpo e de sua sensibilidade sexual, visto por algumas práticas religiosas como um “estorvo demoníaco” no caminho da acese espiritual. Coitado do corpo! Era, pois judiado por silícios e chicotes, frutos de uma mentalidade mergulhada na dicotomia platônica entre corpo e alma, que influenciou grandes pensadores da teologia no período teocêntrico, com relação à noção de pecado original e do corpo como cárcere da alma. A figura da mulher, do feminino, era por vezes comparada ao diabo, a tentação, ao mau caminho. E assim, sexo e sexualidade se reduziram a meras “sombras tentadoras da existência humana”, por isso eram ignorados e torturados pelos autoflagelos. Tal contexto idelógico-religioso permaneceu influente durante a época do teocentrismo medieval.
             
Com o passar dos séculos, a maturidade da religião, paulatinamente abriu-se novamente à discussão em torno do sexo e da sexualidade dentro da prática da fé. Sexo e sexualidade são agora novamente considerados dons de Deus, algo sacro que está presente na vida humana em vista da procriação. Por isso a moralidade religiosa hoje fala da sacralidade do corpo, do sexo e da sexualidade. Recuperou-se o discurso pastoral sobre o sexo, todavia o moralismo religioso de algumas correntes ideológico-religiosas ainda perdura e deturpa a real visão teológica sobre essa questão moral e natural de todo homem e mulher, religioso e não religioso, leigo ou clérigo. Há também o erotismo militante da sociedade contemporânea que fomenta idéias caricaturadas do caráter sexual humano, que em nome da falaciosa “igualdade sexual”, alça mão de artimanhas para difundir idéias relativistas acerca do sexo e das opções sexuais a fim de minar as estruturas sociais que salvaguardam a moralidade humana.  
           
 De outro lado, o preconceito religioso (puritanismo) acerca do sexo e das manifestações da sexualidade, que não é somente dos cristãos, mas outros modelos religiosos o tem lamentavelmente, em nome de “Deus” e da fé, legitimam atos de total repressão da sexualidade humana e de consolidação do machismo no ambiente social. O desafio contemporâneo é, pois como dialogar sobre sexo dentro e fora da comunidade de fé diante das manifestações da sexualidade humana presentes na sociedade, sem partir para a ignorância ou para o relaxismo moral, todavia abertos ao respeito e a acolhida de todos e todas como pessoas humanas em sua dignidade. O hedonismo é um fenômeno hodierno, na mesma medida em que as fobias sexuais religiosas o são também. Redescobrir a beleza humano-divina de ser assexuado, a essência do sexo como parte importante da intimidade do homem e a sexualidade como expressão afetiva da corporalidade integrada e saudável, é a chave de leitura para o desdobrar da reflexão religiosa e social da relação entre religiosidade e sexualidade humana.
            
 Questões como a “guerra de sexos” entre homens e mulheres na sociedade, o papel da mulher na esfera do mundo e da crença, a humanização do trato respeitoso para com as pessoas de opção homossexual, são os paradigmas que indagam a capacidade dialogal entre a moralidade religiosa e as problemáticas do mundo contemporâneo. O Século XXI anseia por uma religiosidade bem relacionada com o caráter sexual do ser humano. Fé e vida não se contrapõem, se assertivamente integradas. A fé (fala religiosa) ajuda e contribui para uma vida sexual saudável quando apresenta a sexualidade como dom divinal a ser zelado e a vida, ajuda a fala religiosa a não se tornar arcaica e moralista neste quesito, dando a ela a oportunidade de aprofundar-se bem nessas questões da intimidade do homem.
            
 Uma sexualidade bem vivida e uma vida sexual saudável e digna é tesouro existencial que aponta para uma valorização assertiva do gênero humano, sem reduzi-lo como mero produto do mercado sexual. Cada pessoa, especialmente cada cristão, é chamado a amadurecer sua sexualidade para viver bem consigo e com os outros, no exercício da vida social e da própria vocação específica a qual fora chamado.
           
 Moral, sexo e religião são assuntos de ontem, hoje e sempre, porque em todos os momentos da história o homem necessita de algo que lhe forme sua consciência nesses assuntos, visto que ele é um ser em constante construção. Que a religiosidade, seja ela cristã ou não, ajude a humanidade a formar bem sua consciência moral e sexual ao invés de deformá-la sobre pretextos de puritanismos repressores dessa parte bela da vida humana: a sexualidade, a corporalidade... Sinais corporais da beleza do Criador, que tornou o homem um continuador natural do milagre da vida e capaz de relacionar-se intimamente com aqueles que ama, demonstrando afeto, amor e desejo.

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