terça-feira, 20 de setembro de 2011

Evangelho e Mariologia

Maria nas bodas de Caná
Autor: Marcos Cassiano Dutra

Maria, retrato da mulher judaico-cristã que confia em Deus e a Ele dedica toda sua existência. Nossa Senhora é, das mulheres que a Sagrada Escritura (a Bíblia) cita em seus livros, a mais presente na vida do Filho de Deus, por quê? Seria somente por causa de seu parentesco divino, por sua maternidade incomparável? Ou por algo que a tocava profundamente o coração? Ser Mãe de Jesus é uma graça única, todavia ser discípula do Mestre de Nazaré é uma oportunidade especial, ocasião de aprendizagem de toda a riqueza espiritual que Ele trouxe a humanidade; por isso a figura de Maria é uma personagem coadjuvante ao Personagem Maior das Narrativas evangélicas. É isso que João recorda em seu evangelho no capítulo 2, versículos de 1-11.
O capítulo segundo, do evangelho explicado por João, fala a respeito de uma ocasião festiva na região da Galiléia, exatamente uma bodas, isto é, uma festa de casamento. Os casamentos dentro da cultura judaica eram celebrações muito significativas na vida das famílias, por isso eram grandes as festas, regadas a fartura, principalmente o vinho, bebida mais popular daquela época. Eis que foram certamente convidados para o casamento Maria e Jesus, bem como os discípulos dele. Certamente havia algum grau de proximidade entre a família de Jesus com as famílias que estavam festejando o casamento de seus membros, por isso estavam ambos (Jesus e Maria) presentes. A festa seguia seu ritmo normal, até que em determinado momento acaba o vinho. Alguém deve ter comentado isso com Maria, a qual pode ser que estivesse ajudando na cozinha durante a festança. Maria, mulher de oração e ação, logo intui e vai até seu Filho pedir que Ele faça alguma coisa em favor daquele novo casal. Deixar os convidados sem vinho seria muito feio, e a alegria da festa se tornaria em vergonha e decepção.
A resposta de Jesus, muitos a conhecem: “Mulher, por que dizes isso a mim? Minha hora ainda não chegou”. Jesus está ciente de que sua hora é a hora da redenção, a hora da cruz. Chama sua mãe de mulher, palavra respeitosa muito utilizada pelos judeus, assim como hoje se utiliza a palavra senhora para se dirigir a uma mulher com tom de respeito. Maria não faz outra coisa a não ser confiar no Mestre de Nazaré – “Fazei tudo o que ele vos disser”. Diante de tamanha confiança depositada por Maria, Jesus não nega seu pedido intercessor e faz o milagre acontecer: transforma a água em vinho. O final da história é conhecido por todos, entretanto jamais se deve esquecer a beleza que envolve a atitude de Maria nessa passagem do evangelho joanino.
Nossa Senhora não fica passiva frente ao problema da falta de vinho, ela, de prontidão, vai à busca de uma solução, e a encontra na pessoa de Jesus Cristo. Em nossa vida, tantas vezes falta-nos o bom vinho da motivação, da esperança, da responsabilidade, do amor, do companheirismo, da amizade, da paciência, da fortaleza, da fé, da caridade... Vários são os vinhos bons que devem estar presentes em nossa adega cristã, sem eles a festa da vida fica sem sabor, sem alegria, sem horizonte. É preciso ir ao encontro de Jesus, Ele não fará mágica, mas milagre. Milagre no sentido de que nos ajudará a novamente encher as nossas talhas, inicialmente com a água que parece estranha ao nosso olhar, contudo se tornará vinho. Da água Jesus consegue tirar vinho. Dos nossos problemas conseguimos tirar também soluções e aprendizados.
Maria, nas bodas de Caná, nos ensina a perseverar diante dos desafios que questionam nossa capacidade de lidar com os problemas da vida. A receita que ela nos passa é está: façam tudo o que Jesus disser. O segredo para não faltar mais o vinho é fazer a vontade de Cristo, é viver sua proposta evangélica em nossos gestos, palavras e ações. Eis a mensagem das bodas de Caná.

Ecumenismo e Diálogo inter-religioso

Religião e religiões
Autor: Marcos Cassiano Dutra

A palavra religião, em sua etimologia, significa religar, religar no aspecto da crença o homem ao divino (transcendente). É interessante aplicar tal significado da palavra religião a partir delas para com seus fiéis; difícil, ou melhor, desafiante é aplicar o mesmo significado de religião para religião, por quê? Por que ainda há implicitamente preconceitos e ortodoxias ideológicas, segregatórias de outras formas próprias de expressão religiosa em outras culturas. Se todas as religiões se religarem no algo essencial que as alimentam, buscando um maior respeito e diálogo, certamente a realidade hodierna seria mais bem interpretada pelas doutrinas religiosas diante do manifestar dos sinais dos tempos.
            
Enquanto houver puritanismo religioso alienante, continuará crescendo entre os homens a crise religiosa que hoje afeta não só ateus, mas crentes também. A secularização é um sinal visível de que as religiões devem se questionar quanto ao ecumenismo e diálogo inter-religioso entre elas.
            
Vários são os discursos e documentos a esse respeito, porém poucas ações concretas nessa vida de unidade na diversidade. Há o medo de perda da identidade no contato com outra religião e doutrina. Se realmente existe uma identidade religiosa, ela não se perderá ou deteriorará no diálogo com outras religiões que pensam e celebram diferente o divino, pelo contrário, ela se fortalecerá e o conhecimento do universo religioso se ampliará e, quanto mais amplo, menos alienado e ideologizado.
            
O sincretismo religioso não é uma maldição ou ação demoníaca que cerceia a fé de uma religião em detrimento celebrativo de outra. A sincretização é um elemento cultural dinâmico que busca, ao seu modo particular e livre, unir a riqueza religiosa das religiões dentro de uma prática devocional popular comum, ou seja, um aspecto antropológico de uma teologia popular a ser estudada e entendida, dado que é um princípio de inculturação, elemento presente também na história de várias religiões, inclusive o cristianismo, quando se diz que os cristãos cristianizaram tal festa pagã ou judaica, bem como conceitos filosóficos gregos e modelos estruturais dos romanos.
            
O laicismo contemporâneo interroga a capacidade dialogal das religiões entre si, porque é o efeito visível e concreto de uma causa anterior: a intolerância religiosa, que fez ao longo da história, em nome de civilizações, vários conflitos em nome da “fé”, da “converção” e da “salvação’ de outros povos considerados pagãos ou bárbaros. As atrocidades religiosas, paulatinamente, foram causando no próprio homem uma aversão da religião, por causa do distanciamento gritante entre a doutrina e as práticas religiosas. Portanto, o relativismo que a sociedade vive hoje, antes de ser uma produção cultural pós-moderna, é um fenômeno iniciado dentro dos ambientes religiosos.
            
Fala-se muito sobre o progresso político, científico, educacional, moral e humano, porém nada se argumenta acerca do progresso religioso, que também está inserido nessa realidade progressista, porque é parte integrante do corpo social. Entenda-se progresso religioso não como ruptura da identidade religiosa (tradição) e sim desenvolvimento, desenvolvimento que, segundo Paulo VI na Encíclica Populorum Progressio, de 1967, é o novo nome da paz. As religiões, por índole, são fomentadoras dessa paz no homem, paz que também se deve fazer presente entre todas elas. 
            
Considera inválido o conteúdo abordado quem ainda não compreendeu que cada religião é portadora de um tesouro comum a ser partilhado por meio do respeito: a fé. Uma pessoa de fé madura, uma religião de fé madura, jamais faz acepção religiosa, porque está além do preconceito, está além de seu tempo, porque, como diria a mitologia grega, não está presa na escuridão da caverna, olhando as imperfeições dos vultos, mas fora, contemplando a beleza real daquilo que a cerca.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O significado de Maria para a Igreja


Maria na vida da Igreja
Por: Marcos Cassiano Dutra

“Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra”. Essa frase evangélica, pronunciada pela moça de Nazaré na ocasião da Anunciação, é tantas vezes rezada, recordada e meditada na oração cristã e mariana do “Angelus”. Maria, Nossa Senhora como a chamamos, que de vários jeitos maternos, em cada cultura da humanidade, continua a dizer: “faça em mim a vontade de Deus”. E a santa vontade Dele (Deus) se faz presente na vida da filha de Sião em sua intercessão como Mãe do Redentor.
             
O Catecismo da Igreja Católica expressa: “Nós cremos que a Santíssima Mãe de Deus, a nova Eva, Mãe da Igreja, continua no céu o seu papel maternal, em relação aos membros de Cristo”. Perguntemos então – Qual é o papel de Maria? A mariologia responde-nos que seu papel singular, além de ser exemplo de santidade e discipulado, é conduzir por meio da devoção os fiéis cristãos, homens e mulheres de boa vontade, ao encontro com Jesus, Caminho Verdade e Vida. Ela, como intitula a Igreja, é a Eva nova, a qual nos dá não o fruto da morte e do pecado, mas o fruto da vida e salvação, o bom fruto, o Verbo de Deus humanizado, isto é, encarnado em nosso meio como Deus Conosco, dado que, no Messias profetizado, Deus restaura a sua criação por meio de uma aliança perene no sangue de seu Cordeiro.
             
 Nossa Senhora é, portanto, co-redentora, ou seja, colaboradora na redenção, porque está inteiramente compenetrada pelo mistério da Trindade, por isso pode nos falar sobre Jesus e a Ele nos conduzir espiritualmente. Os Bispos da América Latina, no Documento de Aparecida, dizem unânimes: “Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu filho e formadora de missionários. Ela, da mesma forma como deu á luz o Salvador do mundo, trouxe o Evangelho à nossa América”. E trouxe a nós a Boa Notícia de forma inusitada, oportuna, profética e especial – ela se inculturou na realidade de nossos povos latino-americanos ao tornar-se índia em Guadalupe e negra em Aparecida, retratando em sua fisionomia o rosto do povo e da mulher latino-americana, várias marias da nazarés de ontem e hoje. Maria está na vida da Igreja, em especial da Igreja na América Latina, como um arquétipo judaico-cristão de uma vida totalmente devotada a Deus e aos irmãos.  
             
Rezemos a Nossa Senhora, Mãe de Cristo e da Igreja, mãe do céu morena, intercessora e missionária, para que ela, junto a Deus continue acompanhando a gente nas estradas da vida. “Santa Maria, Mãe de Deus e da América Latina, roga por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém!

sábado, 10 de setembro de 2011

Celebrando a Exaltação da Santa Cruz

Na Cruz com Jesus
Por Marcos Cassiano Dutra

Em setembro a Igreja celebra na liturgia a Solenidade da Exaltação da Santa Cruz. A festa é comemorada no dia 14, data em que se recorda historicamente o resgate das relíquias da Cruz de Cristo, após uma batalha entre o Império Bizantino e os persas, os quais em 611 invadiram os territórios bizantinos e levaram para a Pérsia muitas coisas, dentre elas as relíquias do Santo Madeiro. A vitória do Império Bizantino se deu no ano 629. Resgatadas as relíquias, elas foram solenemente reconduzidas e entronizadas na Terra Santa pelo imperador Heráclio, em Jerusalém, num cortejo triunfal.
           
A Exaltação da Santa Cruz é uma festa celebrativa da cristandade há muito tempo. Além de sua característica épica, possue também um caráter devocional e teológico muito importante, e o qual se desenvolveu ao longo da tradição católica. Quando cada fiel cristão contempla Jesus crucificado em sua cruz, é interpelado a enxergar, no mistério da Paixão, as cruzes da humanidade que estão presentes na realidade.
           
Conta uma bela história que, certa vez um jovem rapaz caminhava nos arredores de Jerusalém a meditar sobre sua vida e seus questionamentos pessoais. Em um determinado momento, ao olhar para o cume de uma alta montanha, percebeu que havia algo diferente na paisagem, era uma cruz. Instigado com aquilo, o moço então começou a caminhar com direção ao local onde se encontrava tal madeiro. Quanto mais ele se aproximava, mais podia notar que havia alguém pregado naquela cruz. Depois de longo e árduo percurso, chegou ao alto da montanha e viu, em sua frente, um homem todo torturado e suspenso na cruz, na cabeça uma coroa espinhosa e com o corpo ensangüentado, uma cena muito chocante.
           
O crucificado não estava morto, ainda vivo, respirando com dificuldade. Perplexo e curioso, o rapaz olhou para o homem pregado e perguntou:
            - Qual o seu nome?Por que te crucificaram?
            O crucificado, com voz mansa, mesmo convalescente disse ao jovem:
            - Meu nome é Jesus de Nazaré. Fui crucificado por causa da maldade de muitos que desumanizam seus irmãos.
            - Como? Você é Jesus? Pelo que sei e aprendi no catecismo, você já ressuscitou, já venceu a inimiga morte e está no céu à direita de Deus Pai. Que fazes então novamente nesta cruz? Desça daí Jesus, a cruz não é o seu lugar!
            Jesus de Nazaré olhou profundamente nos olhos do jovem rapaz dizendo:
            - Caro jovem, está certa sua catequese. Sim, eu ressuscitei dos mortos ao terceiro dia e subi ao céu, onde estou sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso. Porém, continuo no meio de vós em cada homem e mulher deste mundo, principalmente nos mais sofredores da humanidade, com os quais me identifico. Cada vez que um desses é ferido pelas chagas sociais da miséria, da fome, da violência, das guerras, entre tantas causas desumanas, novamente continua e prologa-se na história a minha Paixão e crucificação.
           
Como é difícil para os cristãos de hoje a compreensão do aspecto humano que envolve o mistério da Paixão! Na teologia da cruz de Cristo, está presente a vida oprimida de inúmeras pessoas do mundo todo, gente sofrida, vítimas da maldade humana com as quais Jesus Cristo identificou-se totalmente ao ponto evangélico de exclamar: Eu tive fome, sede, estava nu, doente, encarcerado, peregrino, injuriado, e você cristão, o que me fez? Certa vez, o Beato Papa João Paulo II, venerando em Turim o Santo Sudário, assim disse – “O Sudário recorda ao homem moderno, muitas vezes distraído pelo bem-estar e pelas conquistas tecnológicas, o drama de tantos irmãos que sofrem”. Rezemos a Jesus crucificado. Nós vos adoramos e vos bendizemos Senhor Jesus, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Teologia do Batismo

Múnus batismal
Por  Marcos Cassiano Dutra

O sacerdócio comum dos fiéis, que lhes é conferido no Sacramento do Batismo, constitui-se de três aspectos fundamentais – ser sacerdote, profeta e rei. Sacerdote no sentido de compromisso com Deus, profeta na defesa e anúncio dos valores evangélicos no mundo secular e rei porque o Batismo torna o catecúmeno partícipe da porfia celeste, iniciando-o na vida cristã dentro da comunidade de fé dos discípulos e discípulas de nosso Senhor, isto é, a Igreja, peregrina e militante na realidade temporal, visando àquilo que é infinito. É rei também porque o batismo imprime uma identidade, um caráter, uma filiação especial em Deus, o Rei dos reis. Portanto, o batizado participa da realeza celestial do Criador que é a vida eterna, a Igreja triunfante.
Abordadas as características sacramentais do sacerdócio comum dos fiéis batizados, pode-se dizer que tais caracteres formam um múnus batismal? Sim, porque um dos significados da palavra múnus é “função que alguém tem de exercer”. E qual é a função sacramental que o fiel batizado, dotado desse múnus específico, tem de exercer? É a função de ser pessoa cristã, alguém que possa ser sinal de Jesus Cristo no mundo por meio de gestos, palavras e ações.
Dentro da função batística de ser pessoa cristã está implícito algo de suma importância: a ética, neste caso uma ética do Sacramento do Batismo, ou seja, de uma conduta cristã no exercício de uma vida humana sacramentada nas águas batismais, onde o fiel é sepultado com Cristo para uma nova vida marcadamente cristocêntrica. Quando um batizado não observa e sim relativiza esse significado eclesial, o sacramento torna-se uma alegoria religiosa em sua vida social, sendo esvaziado de todo seu conteúdo teológico-pastoral.
A compreensão da dimensão do ser pessoa batizada na fé da Igreja é de fundamental importância para uma vida cristã coerente com a proposta de Jesus Cristo. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o fiel batizado, sacerdote, profeta e rei é chamado a transmitir com e em sua vida todo o mistério do amor redentor que está presente na fé cristã, sendo para o mundo cotidiano uma pessoa de virtudes humanas e cristãs. Nisso consiste o múnus batismal.   

Palavras de esperança

Esperança sempre
Autor: Marcos Cassiano Dutra


Parte angustiante o homem pela caminho da vida.
Na estrada começa sua busca,
Vai buscar algo mais para si mesmo,
Meio confuso, sem saber o que encontrará,
Todavia pretende ser feliz.

-

É sua sina alcançar o tesouro.
Que tesouro? A felicidade.
Porém ele não está focado,
Falta-lhe a esperança.
Coitado do homem desesperançado!

-

Felicidade, onde está você?  - Clama o sujeito angustiado.
- Estás aqui ou lá? Diga seu paradeiro!
A felicidade se escondeu, se escondeu nos sinais diários.
E o homem, sem esperança, não consegue vê-la.

-

A felicidade ficou comovida, tenta mostrar-se, aparecer;
Entretanto, o homem, alienado em seu eu, infelizmente não a vê.
Passam meses, passam anos, o homem morre sem ser feliz.
Se ele tivesse descoberto o segredo da felicidade
Certamente haveria de tê-la encontrado e alcançado seus objetivos.

-

Todos os dias estão pelas ruas homens e mulheres procurando ela.
Alguns encontram porque decifram o código.
Outros passam pelo mundo sem jamais darem importância para isso.
E você? Sabe qual é o segredo da felicidade?

-

Seu segredo é simples e certeiro:
Esperança sempre!
Na alegria e na tristeza,
Na saúde e na doença;
Até que o desconhecido chegue e apague as luzes da terra.

As romarias ontem e hoje

Romaria e vida cristã
Por Marcos Cassiano Dutra

Outubro é o mês do rosário e para os brasileiros mês de Nossa Senhora Aparecida, dado que sua festa litúrgica celebra-se no dia 12. O rosário e Maria Santíssima são dois sinônimos de fé, um de oração e o outro de santidade, fazem parte do conjunto religioso presente no catolicismo doméstico dos fiéis. A reza do terço e a devoção mariana são uma herança cultural portuguesa, enraizada na autenticidade religiosa do povo brasileiro desde sua colonização. Ao se falar sobre oração e Maria, é impossível não citar as romarias, que de Norte a Sul deste País sempre estão presentes durante cada ano no Santuário Nacional, rezando aos pés da Mãe do céu morena. “A centralidade que ocupa a maternidade de Maria nos momentos históricos da incorporação da fé na América Latina é um dado que perdura na piedade popular e, consequentemente, na teologia popular desses povos” (Padre Julio Caprani, MIPK)   
De maneira particular, no Brasil, as romarias foram de fundamental importância na construção da identidade devocional a Nossa Senhora Aparecida. É por meio das romarias que vinham à Aparecida apartir do ano 1900 que se iniciou a composição dos grandes e tradicionais hinos à Padroeira, os quais revelam uma riqueza de fé, oração e harmonia como o popularmente hino Daí-nos a bênção, ó mãe querida. Par se entender o fenômeno das romarias, é necessário uma análise bíblica, histórica e eclesial, visto que somente assim se consegue compreender o valor espiritual nelas contida.
Na Bíblia o termo utilizado não é romaria (este surge posteriormente), mas peregrinação. A peregrinação tem um sentido escatológico interessante na dinâmica da História da Salvação; sentido esse de desapego terreno, união e obediência ao Senhor, característica religiosa judaica (peregrinação a Jerusalém), bem como sinal de libertação. Dentro do contexto bíblico, o pretexto da peregrinação é significar a caminhada do povo de Deus sob a guia do Deus do povo, que acontece por meio dos profetas, dos escolhidos de Deus. Um dos livros da Sagrada Escritura que ressaltam bem essa particularidade é o Livro do Êxodo. Caminhada do povo da Aliança, hora festiva, hora penosa, porém envolvida por um mistério maior: os desígnios de Javé.
O cristianismo tem como referência de fé a peregrinação do povo da Antiga Aliança, pois os cristãos são o povo da Nova Aliança, co-herdeiros do conteúdo teológico do Antigo Testamento que se cumpre plenamente no Novo. Também caminha sob a guia de Deus em seu Messias Jesus, por meio de seus Apóstolos, de maneira especial o Sucessor de Pedro, o Papa que os confirmam na fé. Antiga e Nova Aliança formam juntas um só povo de Deus no ontem e hoje da Revelação, povo que acreditou na promessa divina e povo sacerdotal pelo Batismo. Tendo, portanto como modelo fideístico a jornada hebraica, os cristãos primitivos iniciaram uma tradição religiosa que se ampliou, com o passar dos séculos, para todo o mundo cristão. Inicialmente começou como uma viagem a Roma para rezar diante dos túmulos de Pedro e Paulo, por isso o nome romaria (ir a Roma). A romaria, ao longo da história da Igreja, consolidou-se no coração dos fiéis como profunda expressão da piedade cristã, não se limitando a Cidade Eterna e sim a todos os demais lugares santos, onde a própria Igreja reconhece que Deus manifesta mais visivelmente sua graça e benevolência, como os diversos santuários. 
Contemporaneamente, no século XX as romarias ganharam um sentido penitencial e mariano oportuno, um arquétipo disso é o Santuário dedicado a Nossa Senhora de Fátima em Portugal, cuja devoção está próxima de completar seu centenário e despertou e desperta até hoje a atenção não só dos portugueses, mas de outros povos e também dos próprios Papas, principalmente do agora Beato João Paulo II, o qual foi um Pontífice marcadamente mariano e devoto da Virgem de Fátima.
A romaria é importante no contexto religioso cristão no sentido de que ajuda o fiel na prática dos valores evangélicos em sua vida cotidiana, sem tal significado ela perde sua essência devocional. Quem após uma romaria bem feita não regressou para casa mais cheio do amor de Deus? Quando se entende o real motivo de se fazer uma romaria, se vive a fé cristã de maneira virtuosa, alimentando a espiritualidade na mística do fazer-se romeiro.

Cristologia da Revelação

A Revelação e sua relação com o ser humano
Por Marcos Cassiano Dutra

Revelação é a inspiração sobrenatural com que Deus faz conhecer seus mistérios, seus desígnios. É também manifestação de qualidades numa pessoa. Todo este caráter revelador, transcendente na ótica cristã, está profundamente ligado a história da salvação, envolvendo todo o texto, contexto e pretexto no qual ela desenvolve-se. É por iniciativa própria que Javé revela-se, isto é, se dá a conhecer, dentro do processo bíblico. Para tanto, o Deus da Bíblia (Deus revelador) construtivamente vai se revelando ao ser humano utilizando distintas formas revelativas de sua benevolência onisciente, onipresente e onipotente.
           
Outrora se revelou na criação, posteriormente pelos patriarcas, profetas e autores dos livros sagrados. Na plenitude dos tempos, apresenta-se a criatura humana na divindade do Messias enviado, tornando-se Deus conosco. Entretanto o que o faz ser Deus conosco? A teologia cristã reponde essa questão ao dizer que é sua capacidade de se fazer homem, humano. E o fez de maneira singular em Jesus de Nazaré, “rosto humano de Deus e rosto divino do homem”. Jesus é a expressão máxima da revelação no meio do povo da Aliança, povo de Deus, o qual traz consigo muitas mazelas e pecados, porém grandes qualidades e valores culturais que o próprio Cristo exercitou.
           
Todos os valores humanos, de amor, bondade, justiça, etc., presentes em várias culturas desde tempos remotos, ganharam maior significado e expressividade humanística por meio do mistério da encarnação. Quando o Verbo (lógos) Divino se fez homem, as qualidades humanas que existiam nos momentos históricos anteriores a ocasião ápice da revelação, passaram a serem plenamente atuantes e importantes na história do homem pela figura teofânica do homem de Nazaré, Jesus Cristo. 
           
Cada qualidade humana, paulatinamente, foi-se cristificando nos gestos, palavras e ações de nosso Senhor; alcançando desta forma uma abrangência maior como virtudes teologais e cardeais, que a Igreja, munida do Espírito Santo, assim identificou e a Tradição interpretou como arquétipos de uma vida humana e cristã virtuosa. Os valores humanos são, portanto, instrumentais da antropologia teológica utilizada por Deus em sua revelação. Por quê? Por que a linguagem humana é o meio mais expressivo de se transmitir a mensagem divina, dentro do processo cristocêntrico de consolidação total da obra criada: a redenção.
           
A redenção é o fator motivacional da revelação que vai acontecendo na história sagrada. É a premissa fundamental de uma essência divina que anseia salvar a humanidade, tornando-se aparente em Jesus Cristo, Deus verdadeiro e homem verdadeiro, o qual conclui o projeto salvífico, “aquele em quem a pessoa e a obra são idênticos” (Livro Introdução ao Cristianismo, Cardeal Ratzinger); Idênticos em personalidade e obra no aspecto de que Ele (Jesus) é a própria pessoa de Deus, porque é Filho de Deus e Deus igual ao Pai. É a obra em si porque é a própria redenção e o Reino.
           
Jesus Cristo, pessoa humano-divina, de qualidades humanas e celestiais, centro da fé cristã e da Sagrada Escritura, que reconhecem Jesus de Nazaré como o ser humano exemplar, o novo e último Adão, o qual nos dá o bom fruto da vida eterna que brota da frutífera árvore de sua Santa Cruz.     
           
A característica intrínseca do ser humano é sua capacidade de superação, isto é, torna-se mais humano à medida em que ultrapassa seus próprio limites. Cristo é verdadeiro Deus e homem porque ultrapassou os limites humanos do pecado e da morte, do animalesco e do lógico, ao hominizar Deus, alcançando assim o objetivo principal de sua humanização – revelar quem é Deus ao homem que pergunta: Deus, onde estás?   

uma reflexão sobre a fé

A problemática da fé
Por Marcos Cassiano Dutra

É parte integrante da natureza humana a crença como um elemento de transcendência, do sobrenatural que envolve o natural humano. Dentro da prática da crença há a fé, como força fomentadora do aspecto religioso do homem nas suas várias manifestações culturais. A fé proporciona ao crente uma esperança final em algo maior que vai além dos fenômenos naturais humanos, como a morte. Tornando-se uma consolação diante das angústias existenciais pelo desconhecido.
           
 A vida é a realidade material e campo fértil onde a semente da fé encontra os minerais necessários ao seu desenvolvimento religioso. É na vida do homem que ela vai se desenvolvendo paulatinamente e se fundando como algo especial, como um patrimônio espiritual de uma tradição (transmissão) que lhe fora anteriormente feita aos poucos, seja pela sociedade ou pela família, instrumentais do ensinamento religioso da fé. Segundo uma premissa de Karl Marx, “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser social, mas, ao contrário, é seu ser social que determina sua consciência”. Tal consciência social do homem também se funda dentro de sua religiosidade, a qual transparece em seu ser social, em suas ações sociais.
           
Então a fé é um dado cultural da sociedade? Sim! No sentido de que ela está presente em variadas culturas (multiculturalismo religioso) e, em cada uma, a fé é interpretada e exercitada de maneira muito peculiar, específica. Santo Agostinho, um dos grandes filósofos e teólogos da Patrística Cristã, diz em uma máxima que é preciso “compreender para crer e crer para compreender”. Torna-se dificultoso o estudo das manifestações religiosas da fé se não se acredita no aspecto escatológico que ela contém, sem isso, a compreensão, isto é, a análise do tecido religioso, fica prejudicada e parcial, porque se anula um dos caracteres essenciais da fé: o transcendente.
           
A fé, elemento cultural da religiosidade de um povo (de uma sociedade), sempre está envolta por uma doutrina. O Dicionário da Língua Portuguesa define a fé como crença nas doutrinas religiosas. Portanto, a doutrina tem um papel importante no universo da fé, por quê? Porque a doutrina é a responsável pela organização lógica e até mesmo jurídica da fé na crença religiosa, haja vista os preceitos religiosos. Porém, não são todas as doutrinas que estão estruturadas em forma de instituições religiosas, logo há expressões da fé religiosa que são doutrinadas, mas não institucionalizadas e outras que são doutrinadas e resguardadas por alguma instituição com legados próprios e hierarquias próprias. A problemática da institucionalização da fé é um assunto polêmico dentro do ambiente religioso, mas ao mesmo tempo interessante e oportuno, porque questiona a influência da instituição no pensar religioso de um povo, de uma civilização. Influência que culturalmente pode deturpar elementos fundamentais e até mesmo teológicos da fé em alguma expressão religiosa, tornando a fé uma mera legitimadora da ordem estabelecida, ou seja, de um poder religioso temporal instituído; o que esvazia o conteúdo atemporal que a fé traz em si por índole. Por outro lado, é inegável que a instituição religiosa é a responsável direta na difusão e consolidação da fé, dando a ela uma abrangência maior, global, diante da qual ela de forma processual tenta se inculturar para não perder seu significado diante de outras expressões culturais e religiosas.
           
Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Tais perguntas do próprio homem permeiam o ambiente religioso e a prática da fé, e, são o pontapé inicial e filosófico de uma argumentação teológica. Se a fé doutrinada é institucionalizada, as respostas serão distintas se caso ela for doutrinada e não institucionalizada. Portanto, a problemática da fé vai além da compreensão cultural e transcendente, ela também perpassa uma compressão histórico-dialética do dado político-diplomático que circunda sua forma de se apresentar a humanidade, aos fiéis e até mesmo aos infiéis, ou seja, os não-crentes ou ateus, visto que toda a instituição religiosa é envolta em aspectos políticos de organização de sua estrutura enquanto uma instituição, o que influência indireta e diretamente a fala religiosa que expressa uma fé, porque os interesses religiosos também se fazem presentes no discurso religioso, mesmo que de maneira subliminar, constituindo assim uma ideologia. Portanto, é necessário que cada instituição sempre esteja atenta a esse respeito, a fim de realmente zelar pela fé e não torná-la um instrumento para manutenção de um poderio.
           
Ainda sobre a institucionalização da fé é oportuno ressaltar um fenômeno religioso que é a ortodoxia, algo presente nas expressões de fé que são institucionalizadas. A ortodoxia não considera válido e teológico, em seu ponto de vista, práticas religiosas não-insitucionalizadas, e disseminam essa idéia segregante em seu discurso considerando-as seitas. A fé que não pertence a instituições se vê, portanto excluída do mundo das grandes religiões. Devido sua capacidade criativa de sincretizar-se ela se faz presente nos ambientes mais populares, nas periferias religiosas da sociedade, ao passo que a fé institucionalizada fica restrita a uma aristocracia social como sendo uma “fé oficial” de determinada sociedade, o que é um atentado contra a fé, porque proporciona e falaciosamente legitima uma divisão de classes em nome “Deus”.
           
Em suma, a fé é um tesouro da humanidade e não de instituições religiosas somente. As instituições têm sua funcionalidade e finalidade, dado que não existem por obra do acaso, e sim de uma construção histórica importante, todavia não são o sustentáculo essencial da fé. São instrumentos da fé e não as donas ou proprietárias exclusivas dela. A fé transcende a instituição, porque seu conteúdo é universal, porque sua crença é o mistério, o qual se faz presente em todas as culturas e civilizações. Querer defender uma tese maniqueísta de religião e fé é um equívoco diante das potencialidades religiosas que cada expressão específica da fé, sejam elas cristãs ou não, tem a contribuir para com a sociedade hodierna em seus desafios. Nessa perspectiva, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso são iniciativas plausíveis, porém não constitui o todo da convivência e respeito mútuo entre uma fé e outra fé. É o início de uma relação que se amplia mais na medida em que cada religiosidade reconhece na outra os sinais transcendentes da palavra-chave de ambas: o divino.   
           
Cada instituição religiosa é chamada a co-responder aos apelos fideísticos de sua expressão religiosa, que em substância é a prática de algo bom, de virtudes, pois a fé busca conduzir o homem, sujeito e protagonista do mundo, a uma condição de vida que o possibilite edificar uma realidade mais fraterna, mais humana. Somente entende esta dinâmica religiosa quem observa com atenção as palavras já citadas de Santo Agostinho, crendo para compreender e compreendendo para crer que é possível a unidade religiosa entre a diversidade das crenças e instituições.