quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A renúncia do Papa e o futuro da Igreja


A renovação da Igreja
Por Marcos Cassiano Dutra


Várias são as definições para a palavra renovar. O Dicionário da Língua Portuguesa aplica os significados: tonar novo, dar novo brilho, ou seja, novas forças; modificar, transformar, recompor, restaurar, rejuvenescer, revigorar-se... Como se pode notar muitos significados existem para o termo renovar.
            
Em seus últimos compromissos públicos como pontífice, após ter anunciado sua corajosa, humilde e prudente renúncia à Cátedra de São Pedro, quis o Santo Padre reunir-se tradicionalmente no início da Quaresma com os sacerdotes católicos residentes em Roma. Nessa particular ocasião, Bento XVI deixou de lado o formalismo dos discursos escritos ao fazer uma verdadeira aula aberta sobre a história da Igreja, em especial acerca do cinquentenário Concílio Ecumênico Vaticano II, dentro da perspectiva teológico-pastoral oriunda deste evento eclesial importante, e, em consonância com o Ano da Fé em vigor.
            
Ao expressar sua análise crítico-teológica acerca da Igreja na atualidade, Bento XVI foi enfático ao recordar o jubilar concílio, exortando os presbíteros, bem como todos os fiéis cristãos, a uma urgente e providencial renovação de toda a Igreja a partir das conclusões do Vaticano II. Mesmo já passados cinquenta anos de sua solene abertura em 1962, este concílio continua a dizer algo especial à Igreja, isto é, a ser pertinente, haja vista que ainda há muito por fazer ao estudar com afinco seus dezesseis documentos (4 constituições, 9 decretos e 3 declarações) tanto em quesito doutrinal como pastoral.
            
Nesse eixo teologal de ação eclesial para o futuro, proposto por Bento XVI, se encaixam de maneira uníssona os significados elencados acima pela gramática da língua portuguesa aplicados à palavra renovar, verbo interligado com renovação. Sabe-se que todo o verbo indica uma ação. Eis, portanto, o verbo que Bento XVI deixa como testamento desses seus 7 anos de pontificado – renovar a Igreja de Cristo no pentecostes do Vaticano II.
            
Em outras palavras, tornar nova, em um mundo secularizado, a mensagem do Evangelho, dando novo brilho à vida cristã, a fim de que se tenha nova força profética (testemunhal) frente aos desafios da sociedade atual que carece de um discurso religioso católico mais eloquente. Modificar e transformar as mentalidades deturpadoras do relacionamento Igreja/mundo – cristãos e contemporaneidade. Recompor, restaurar e reformar aquilo que necessita dessas três atitudes reflexivas nas áreas que carecem desta sábia intervenção, dado que somente assim será possível rejuvenescer e revigorar o rosto salvador e redentor de Jesus Cristo, que se estampa e se transfigura na fisionomia de sua Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.
            
Fortes são as palavras do Beato Papa João XXIII – “A Igreja, embora antiga desde a época dos Apóstolos, caminha no mundo em perene juventude” (Encíclica Ad Petri Cathedram). Quando convocado o Concílio Vaticano II esse Papa repetia como uma ladainha do Espírito Santo a palavra-chave desse concílio: aggiornamento (atualização). Hoje, passados cinquenta anos, outro pontífice, de um pontificado de transição assim como o “Papa bom”, vem nos dizer: renovai a Igreja. Certamente Entre João XXIII e Bento XVI está algo maior chamado Divina Providência, cabe a nós agora a tarefa de tramitar na Igreja e no mundo a riqueza incalculável desses dois apelos papais dentro de três realidades que somos enquanto Corpo Místico de Cristo: hierarquia de dons e carismas, comunhão e missão.  

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Psicologia da fé


Espiritualidade
Uma análise do espiritual em Jung
Por Marcos Cassiano Dutra

Introdução     
            Em se tratando de espiritualidade e psicologia, um pensador pertinente a esse respeito é Carl Gustav Jung (1875-1961). Dos pensadores modernos ele é o que mais se interessou pela espiritualidade em seus estudos psicológicos. Sua obra intelectual, embora seja psicológica e por isso científica, não foi insensível a busca da espiritualidade. Jung considerava que o mundo precisa buscar novamente sua espiritualidade, pois ela é essencial a humanidade.
            Jung descobriu em suas pesquisas que a espiritualidade não é monopólio das religiões e dos caminhos espirituais. A espiritualidade é uma dimensão do humano, que transparece na religiosidade. Para ele, o ser humano possui 3 dimensões:

  • Dimensão corporal: onde está presente a relação humana consigo, com os outros e com o universo.
  • Dimensão mental: onde estão presentes os desejos, os arquétipos (modelos) e os sonhos.
  • Dimensão espiritual: onde se encontram as questões últimas da existência: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? 

            Na dimensão espiritual estão os valores não-materiais de pertença a algo maior, ou seja, a metafísica do ser humano, isto é, sua capacidade de transcendência. Centralizada no solo interior do homem (de sua existência), está a “imago Dei” (a imagem de Deus) – arquétipo mais íntimo que satisfaz todas as energias (forças) do humano e o eleva para acima de seu próprio universo concreto, quer dizer, o transcende.
            Para Jung a espiritualidade faz o homem perceber que o universo não existe por acaso, mas que tudo quanto existe está interligado pelo fio condutor que une esse tudo, construindo essa realidade como cosmo, ordem, organização de espaço e tempo. Esse fio condutor é chamado de Deus pelas religiões, o qual não está fora ou distante, e sim dentro do próprio humano na dimensão espiritual. Portanto, a espiritualidade é o dialogo com esse mistério interior. Essa vem a ser, segundo Jung, a tarefa da espiritualidade.  
 
A figura de Deus
            Jung conclui que Deus é o objeto de uma experiência, essa experiência se chama fé. É pela fé que se tem a crença, ou seja, a certeza de algo transcendente no além do espaço e tempo. Mas essa experiência não é um mero acreditar. Jung afirma que para saber que há Deus não é necessário acreditar, mas sentir. Ele se embasa no filósofo Blaise Pascal (1623-1662) – “Crer não é pensar Deus, crer é sentir Deus”.
            Sentir Deus é, em Jung, uma experiência globalizante e profunda ao ser humano. Negar essa experiência é negar-se a si mesmo, dado que Deus está no espiritual, e a espiritualidade é uma parte do todo da existência humana. Logo, o homem não precisa crer em Deus, por que naturalmente ele sabe que Deus pertence ao seu universo. A profissão de fé de Tomé diante do Cristo Ressuscitado também faz eco ao pensamento da psicologia junguiana. Diz o discípulo: “Eu creio (acolho esta realidade), mas aumenta a minha fé (me abra mais espaço e seja mais presença dentro de mim)”.
            Professam essa certeza interior os que se deixam mergulhar no mistério da espiritualidade, esses se chamam místicos. Místico ou mística é todo aquele que tem haver com o mistério. É alguém que se transforma num ser cósmico e alarga sua consciência, isto é, uma pessoa sensível aos dados do mistério.

Jung e Freud
            Jung e Freud foram mútuos colaboradores intelectuais na área da psicologia. Porém entre ambos há especificidades de pensamento em torno de diversas temáticas humanas, como por exemplo a religião.
            Sigmund Freud (1856-1939), um dos célebres clássicos da psicologia ocidental, foi um grande observador da cultura. Foi extremamente exato, objetivo em suas observações psicológicas, todavia não se deu conta de que ele observou uma cultura patológica (cultura doente). E isso foi decisivo para sua teoria do falocentrismo, que é a centralidade na sexualidade, visto que a cultura humana atual coloca o sexo como o centro da sociedade. Freud criou então uma teoria para se entender essa problemática. Jung teve a importante tarefa de analisar a teoria do falocentrismo freudiano e concluir que ela é uma visão reducionista e patológica, por que toma a manifestação fenomenológica da sexualidade (falocentrismo) como uma normalidade humana.
            Isso influenciou a opinião intelectual de Freud acerca da religião. Em Freud a religião é um processo patológico do ser humano, classificada como neurose coletiva, pois está fundada na dependência que o homem tem para com as figuras materna e paterna, projetando elas para o grande pai e mãe que no caso vem a ser Deus.

            Freud percebeu que a religião é uma neurose permanente do ser humano. Embora o homem precise de autonomia (ser pai e mãe de si), ele ao mesmo tempo necessita de algo que o ajude, pois o humano é continuamente um ser em decadência, possue limitações próprias e não consegue se refazer sozinho. Nesse sentido a religião tem uma função terapêutica (neurose) que evita a psicose, quer dizer a destruição do sentido de vida.
            Há na religião um paradoxo: enquanto ela ilude o ser humano (projeção das figuras paternas), mas, por outro lado, permite que ele viva, dando sentido ao triunfo de vida acima do triunfo de morte, ambos presentes na psique humana.

Jung e a religião
            Jung amplia essa visão freudiana sobre a religião ao apresentá-la como possibilidade de um processo criativo saudável e necessário para o ser humano. No processo criativo-religioso está a felicidade, que não é dada nem na genética, muito menos na vida social. O homem, com seu conjunto de fatores, desafios e respostas, é que pode dar um sentido a essa busca pela felicidade, ou seja, sua tarefa é construir a felicidade, por que ela é o resultado de um longo processo de auto-realização, de auto-construção humana, pessoal e também coletiva. Encontrando na religião uma aliada nesse caminho existencial e psicológico por meio da espiritualidade.
            A espiritualidade está ligada ao caráter do sensível, da percepção da totalidade, por isso ela contribui para a construção existencial do homem. O lucro da indústria de tranqüilizantes é o reflexo da angústia humana na contemporaneidade. Se por um lado o homem se desenvolve com super tecnologias, processando o avanço humano em fração de segundos, a existencialidade (a espiritualidade) desse mesmo ser humano encontra-se em ruínas.
            A obra de Jung aparece como uma luz no fim do túnel, por que ele redireciona o ser humano na direção, na meta, na fonte original que é a sua interioridade, onde o homem pode encontrar sua verdadeira felicidade e seu bem-estar no mundo, dado que na interioridade, está a espiritualidade, e na espiritualidade Deus e em Deus a alma humana que, no mistério do sagrado, encontra seu sentido de vida.

Jung e a realidade
            Jung considera que a realidade é contraditória, por que possue duas dimensões:

  • A Dimensão do caos: onde há sombras, violência, desestruturação.
  • A Dimensão de ordem: onde há beleza, graciosidade, amorosidade e cuidado.

            Essas duas dimensões formam a realidade, na qual o homem está inserido, pois ela é parte do ser humano, que por índole é um ser real, isto é, um ser histórico. Todavia entre caos e ordem há também uma relação de união entre os opostos, pois a humanidade é ao mesmo tempo um drama pessoal e um horizonte teórico. Quando o ser humano, aberto para sua interioridade, assume essa realidade com honradez, ele não teme as sombras e abraça com alegria a luz para assim fazer o assertivo equilíbrio, que o faz navegar nas águas do mar da vida com soberania.
            É dele a célebre citação – “Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta, caso contrário estou reduzido à resposta que o mundo me der, por que só aquilo que somos tem o poder de curar-nos. O que não enfrentamos em nós mesmos, encontraremos como destino; não podemos mudar nada sem que primeiro aceitemos. Certamente essas palavras de Jung fazem eco nas palavras do sábio Mahatma Gandhi: “Nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”. Esse é o princípio da realidade junguiana, que na interioridade encontra o caminho coerente para sua estruturação psicológica no eu - humano.      
            Jung sempre admirou o Cristianismo. Para ele o mistério pascal é o exemplo mais forte e eloquente dessa relação entre opostos e do seu equilíbrio espiritual. A Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, para o pensador, é a manifestação do caos da angústia e da solidão humana (Paixão e Morte) e do resgate da vida e da transfiguração do ser humano (Ressurreição). Na Ressurreição de Jesus de Nazaré está o caminho da realização de todas as potencialidades humanas, do homem utópico, do projeto infinito que se torna palpável, que ganha corpo.

 Conclusão     
            Em suma, a humanidade vive nessa travessia contínua entre a Sexta-feira Santa e o Domingo da Ressurreição. É essa a realidade humana, a realidade do encontro entre duas personalidades (caos e ordem), tal qual o encontro entre duas substâncias químicas – Se há alguma reação, as duas são transformadas. Somente quando assumida com seriedade e serenidade essa realidade, o seu resultado é a liberdade interior de ser mais forte que tais contradições. A liberdade interior não tem preço, por que ela nada mais é que a felicidade, sinônimo de espiritualidade.