terça-feira, 4 de junho de 2013

Falando sobre ética


A Ética e os filósofos
Uma análise de Kant, Nietzsche e Levinas
Por Marcos Cassiano Dutra

A ética é uma disciplina filosófica e um assunto que permeia o pensamento de diversos filósofos, dentre eles três merecem destaque: Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche e Emmanuel Levinas.

Emmanuel Kant (1724-1804)         
            Kant baseia, ou melhor, fundamenta sua teoria moral no dever. Nesse sentido, a base da ação moral é o dever moral, no qual se encontra o imperativo categórico: "Aja somente segundo uma regra que você possa querer ao mesmo tempo em que se transforme em lei universal".  

            A ética kantiana coincide com a época do surgimento e a ascensão da sociedade industrial e capitalista, por isso essa ética de Kant é a ética do homem empreendedor, que se fundamenta na autonomia racional, pois para o filósofo, o ser moral é o mesmo que o ser racional, visto que, da mesma forma que ninguém nos pode obrigar a ser racional, ninguém nos pode obrigar a ser racional.

            A ética do dever moral é importante por que o homem contém em si imperfeições no caráter, por isso necessita de algo para que se torne um ser moral. Portanto, o dever deve ser o centro da ação moral, pois a liberdade humana consiste em fazer o que o homem enxerga que é melhor, sendo o mais racional possível a partir do dever que a razão lhe formula.

            Ação e intenção são outros dois pontos importantes na ética kantiana. Para determinar o valor moral de um ato, é necessário saber a intenção com que foi praticado, dado que um ato moralmente bom e correto é aquele que obedece não aos interesses, mas a lei moral que sustenta o dever.

Friedrich Nietzsche (1844-1900)    
            Friedrich Nietzsche vai por um caminho oposto ao de Kant. Nietzsche preocupa-se com a afirmação da vida e propõe o rompimento com aquilo que para ele é a negação dela e o seu condicionamento. Nessa perspectiva nietzschiana, os antigos valores da sociedade antiga e da própria religião cristã não favorecem a vida, mas a desfiguram e matam. Ele chama de valorização negativa da vida esse fenômeno ético-moral que influenciou o Ocidente, caracterizando-o como uma doença a ser curada pela transvalorização dos valores.

            Em seu diagnóstico acerca da cultura ocidental, Nietzsche aponta duas mentalidades que colaboraram para a decadência da vida: o platonismo e o cristianismo.

            O platonismo, ao instaurar o mundo das ideias no qual tudo é perfeito, e o desprezo ao mundo sensível (o nosso mundo), incorreu num grande erro, pois a realidade  não é algo dicotômico entre o transcendental ordenado e perfeito e o sensível imperfeito e caótico, mas o constante devir, a mudança, a contradição.

            O cristianismo, por outro lado, ao fundamentar-se no platonismo, criou uma concepção de mundo e de Deus a partir da diferença entre criador (ser perfeito) e criatura (ser imperfeito), de modo que a criatura imperfeita e limitada, tende a desprezar sua própria vida e apenas olhar para a suposta "perfeição" do divino.

            A tudo isso ele chamou de niilismo, ou seja, o movimento histórico da cultura ocidental que fez produzir o que nela existe de mais latente: a negação da vida, sendo o platonismo e o cristianismo seus dois momentos mais marcantes e importantes, pois influenciaram todo um desdobramento épocal.   

            A cura para essa enfermidade da humanidade ocidental, como já foi dito, é a transvalorização dos valores, que vem a ser a mudança de mentalidade, a adoção de novos valores que não mais condicionem a vida ou reduzam a moral entre aquilo que é bom e aquilo que é mal. É preciso ir além do bem e do mal, isto é, criar novos valores onde a vida seja vivida de maneira plena e incondicional. Por isso o ponto de vista deve ser transformado a partir da ruptura com o ponto de vista que deu origem aos valores da moral ocidental.

            A transvalorização dos valores, em suma, tem por finalidade a afirmação da vida sem imposições (juízos de valor) e condicionamentos. A vida, para Nietzsche, não é somente a consciência da existência, e sim a vontade de poder, de querer e de aceitar, sem medo, o constante devir (mudanças) que ela proporciona. Para explicar isso ele recorre a tragédia grega antiga, na qual a vida era vivida de maneira indissolúvel em seus momentos éticos e antiéticos, entre o ser e o nada, entre o prazer e a dor, entre a maravilha e o espanto.

            Nietzsche recorre à mitologia grega para afirmar sua tese da afirmação da vida como contraposição à negação dela. As figuras de Apolo (deus da individualização e do equilíbrio) e Dionísio (deus da desmedida, da embriaguez mística e do aniquilamento da consciência pessoal) formam a existência humana, formam o apolíneo humano, ou seja, a constante relação entre um e outro, entre os opostos que se atraem e fazem surgir a afirmação da vida em sua essência, de modo que o apolíneo nada poderia fazer sem o encanto do dionisíaco.       

Emmanuel Levinas (1906-1995)    
            Emmanuel Levinas aponta para outra via ética: a da responsabilidade pelo outro. A ética de Levinas não é um princípio individualista (subjetivista) como em Kant, nem uma dimensão de caráter racional como em Aristóteles, muito menos uma revolução de valores como em Nietzsche. A ética de Levinas é a dimensão do reconhecimento de si no outro, pois "o rosto do outro é o meu próprio reconhecimento".

            Nesse sentido, o caráter de uma pessoa se encontra na coletividade, na qual está o seu reconhecimento a partir do outro. Levinas chama isso de reconhecimento da humanidade que há em si e nos demais. Isso configura o conceito de alteridade e subjetividade levinasianos, pois a responsabilidade pelo outro é o que faz a pessoa transcender a si mesma no rosto desse outro, muitas vezes desconhecido.    

            Portanto, a ética de Levinas é a ética do cuidado, a moral do respeito pela humanidade do outro, que é a minha própria humanidade a ser conhecida no desconhecido,  por meio  da co-responsabilidade de ambos.