A Ética e os filósofos
Uma análise de Kant, Nietzsche e
Levinas
Por Marcos Cassiano Dutra
A ética é uma disciplina
filosófica e um assunto que permeia o pensamento de diversos filósofos, dentre
eles três merecem destaque: Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche e Emmanuel
Levinas.
Emmanuel Kant (1724-1804)
Kant
baseia, ou melhor, fundamenta sua teoria moral no dever. Nesse sentido, a base
da ação moral é o dever moral, no qual se encontra o imperativo categórico:
"Aja somente segundo uma regra que você possa querer ao mesmo tempo em que
se transforme em lei universal".
A
ética kantiana coincide com a época do surgimento e a ascensão da sociedade
industrial e capitalista, por isso essa ética de Kant é a ética do homem
empreendedor, que se fundamenta na autonomia racional, pois para o filósofo, o
ser moral é o mesmo que o ser racional, visto que, da mesma forma que ninguém
nos pode obrigar a ser racional, ninguém nos pode obrigar a ser racional.
A
ética do dever moral é importante por que o homem contém em si imperfeições no
caráter, por isso necessita de algo para que se torne um ser moral. Portanto, o
dever deve ser o centro da ação moral, pois a liberdade humana consiste em
fazer o que o homem enxerga que é melhor, sendo o mais racional possível a
partir do dever que a razão lhe formula.
Ação
e intenção são outros dois pontos importantes na ética kantiana. Para
determinar o valor moral de um ato, é necessário saber a intenção com que foi
praticado, dado que um ato moralmente bom e correto é aquele que obedece não
aos interesses, mas a lei moral que sustenta o dever.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Friedrich
Nietzsche vai por um caminho oposto ao de Kant. Nietzsche preocupa-se com a
afirmação da vida e propõe o rompimento com aquilo que para ele é a negação dela
e o seu condicionamento. Nessa perspectiva nietzschiana, os antigos valores da
sociedade antiga e da própria religião cristã não favorecem a vida, mas a
desfiguram e matam. Ele chama de valorização negativa da vida esse fenômeno
ético-moral que influenciou o Ocidente, caracterizando-o como uma doença a ser
curada pela transvalorização dos valores.
Em
seu diagnóstico acerca da cultura ocidental, Nietzsche aponta duas mentalidades
que colaboraram para a decadência da vida: o platonismo e o cristianismo.
O
platonismo, ao instaurar o mundo das ideias no qual tudo é perfeito, e o
desprezo ao mundo sensível (o nosso mundo), incorreu num grande erro, pois a
realidade não é algo dicotômico entre o
transcendental ordenado e perfeito e o sensível imperfeito e caótico, mas o
constante devir, a mudança, a contradição.
O
cristianismo, por outro lado, ao fundamentar-se no platonismo, criou uma
concepção de mundo e de Deus a partir da diferença entre criador (ser perfeito)
e criatura (ser imperfeito), de modo que a criatura imperfeita e limitada,
tende a desprezar sua própria vida e apenas olhar para a suposta
"perfeição" do divino.
A
tudo isso ele chamou de niilismo, ou seja, o movimento histórico da cultura
ocidental que fez produzir o que nela existe de mais latente: a negação da
vida, sendo o platonismo e o cristianismo seus dois momentos mais marcantes e
importantes, pois influenciaram todo um desdobramento épocal.
A
cura para essa enfermidade da humanidade ocidental, como já foi dito, é a
transvalorização dos valores, que vem a ser a mudança de mentalidade, a adoção
de novos valores que não mais condicionem a vida ou reduzam a moral entre
aquilo que é bom e aquilo que é mal. É preciso ir além do bem e do mal, isto é,
criar novos valores onde a vida seja vivida de maneira plena e incondicional.
Por isso o ponto de vista deve ser transformado a partir da ruptura com o ponto
de vista que deu origem aos valores da moral ocidental.
A
transvalorização dos valores, em suma, tem por finalidade a afirmação da vida
sem imposições (juízos de valor) e condicionamentos. A vida, para Nietzsche,
não é somente a consciência da existência, e sim a vontade de poder, de querer
e de aceitar, sem medo, o constante devir (mudanças) que ela proporciona. Para
explicar isso ele recorre a tragédia grega antiga, na qual a vida era vivida de
maneira indissolúvel em seus momentos éticos e antiéticos, entre o ser e o
nada, entre o prazer e a dor, entre a maravilha e o espanto.
Nietzsche
recorre à mitologia grega para afirmar sua tese da afirmação da vida como
contraposição à negação dela. As figuras de Apolo (deus da individualização e
do equilíbrio) e Dionísio (deus da desmedida, da embriaguez mística e do
aniquilamento da consciência pessoal) formam a existência humana, formam o
apolíneo humano, ou seja, a constante relação entre um e outro, entre os
opostos que se atraem e fazem surgir a afirmação da vida em sua essência, de
modo que o apolíneo nada poderia fazer sem o encanto do dionisíaco.
Emmanuel Levinas (1906-1995)
Emmanuel
Levinas aponta para outra via ética: a da responsabilidade pelo outro. A ética
de Levinas não é um princípio individualista (subjetivista) como em Kant, nem
uma dimensão de caráter racional como em Aristóteles, muito menos uma revolução
de valores como em
Nietzsche. A ética de Levinas é a dimensão do reconhecimento de
si no outro, pois "o rosto do outro é o meu próprio reconhecimento".
Nesse
sentido, o caráter de uma pessoa se encontra na coletividade, na qual está o
seu reconhecimento a partir do outro. Levinas chama isso de reconhecimento da
humanidade que há em si e nos demais. Isso configura o conceito de alteridade e
subjetividade levinasianos, pois a responsabilidade pelo outro é o que faz a
pessoa transcender a si mesma no rosto desse outro, muitas vezes
desconhecido.
Portanto,
a ética de Levinas é a ética do cuidado, a moral do respeito pela humanidade do
outro, que é a minha própria humanidade a ser conhecida no desconhecido, por meio
da co-responsabilidade de ambos.