Musicalidade da vida humana
Por Marcos Cassiano Dutra
A música é uma produção cultural do homem nas mais distintas manifestações de seu fenômeno humano no mundo. É aspecto cultural, gênero artístico e expressão de linguagem. Tudo isso envolve a música e o próprio homem, que dela se utiliza para celebrar a vida e o divino, bem como em terapias médicas e processos pedagógicos, porque a música também cura e ensina.
No célebre filme O som do coração, obra cinematográfica Norte-americana, dirigida por Kirsten Shevidon, lançada nos Estados Unidos em 2007 e no Brasil em 2008, cujo enredo dramático-romântico é belíssimo, a música é uma constante presença do começo ao fim, sendo até relacionada ao caráter genético da pessoa, o quem vem a ser um talento, um dom, bem como uma herança. “A música é ligação harmônica entre todos os seres vivos” – exclama em determinado momento do filme um de seus personagens. Se a música é um elo ligador entre os seres vivos, logo ela é um instrumento de encontro com a própria história. Quem consegue desenvolver e aprimorar o talento musical, pode então penetrar no mais profundo de suas raízes históricas e encontrar aquilo que tanto busca em sua sina. A magia da música e o poder do amor na arte de escutar o som do coração.
A música como passaporte para a libertação dos sentimentos de perda, carência e solidão. De maneira indireta e peculiar, o filme questiona quem o assiste a respeito dos menores abandonados e esquecidos, dos sem família. O pequeno garoto órfão e musicista é uma alusão aos vários pequenos ignorados e amontoados em orfanatos ou nas ruas da sociedade de consumo, cuja infância é parcialmente prejudicada pela ausência das figuras materna e paterna. A canção que o coração das vidas órfãs conhecem é a canção da espera; anseiam pelo augusto dia de entoarem solenemente, na grande orquestra da vida, a sinfonia do amor encontrado, com os acordes e notas da esperança que não as fazem desanimar e perder o brilho no olhar sereno de quem só quer amar e ser amado. A esses a música é sinônimo de libertação, dado que, como diria o filósofo cristão Santo Agostinho – “Cantar é próprio de quem ama”.
Por que a música parece ser uma extensão melódica do próprio homem? Como a música pode trazer em si tantos bons efeitos existenciais? A música brota da vida? Certamente a musicalidade da vida humana continuará sendo uma indagação psico-filosófica na história do homem e em suas manifestações sociais.
Um compositor de canções populares religiosas, Zé Vicente, em um de seus vários álbuns, assim escreve – “Cuidar da memória é condição fundamental para recriação da história”. De fato a música coopera de maneira memorial na recriação da história, seja ela particular ou comunitária, familiar ou social. Em matéria de música e humanidade é mister ter os ouvidos afinados e atentos ao som do coração, a fim de tentar interpretar e quem sabe compreender ao menos a metade daquilo que vem a ser a musicalidade da vida humana.