quarta-feira, 2 de maio de 2012

Fenomenologia da existência


Café da existência
Degustando a própria vida
Por Marcos Cassiano Dutra

 
Sentado na cadeira do cotidiano fico a pensar sobre meus dias. O café das experiências, hora doce, hora amargo, mas sempre bebido, degustado aos poucos para não perder seu suave aroma de futuro. Na mesa redonda da realidade concreta está o jornal da vida, algumas folhas escritas com manchetes diversas, outras ainda brancas, prontas para darem uma notícia, oxalá que sejam boas notícias. Na calçada dos sonhos estão meus projetos pessoais, afinal uma vida sem projetos perde seu sentido, é preciso ter algo a que dedicar os dias. O sol da existência brilha, porém em dias de chuva, se esconde nas nuvens que escurecem o roteiro natural do tempo. A lua da consciência ilumina o anoitecer da escuridão noturna, qual bússola a orientar os passos de quem caminha no devaneio da sina angustiante do ser gente.

Como é estranho tomar café com a própria história. Parece que tudo para e se faz paulatinamente uma retrospectiva...Relembrar é bom, mas também é doloroso, a vida não é só feita de fatos bons, mas de fatos nem tão bons e nessa hora tudo vem a tona. Voltar ao passado causa certo incômodo porque passo a analisar tudo com outro olhar, um olhar mais vivido e como é duro ter de admitir as imprudências! Por outro lado há o aprendizado. Nada é em vão se sei retirar até do mau uma raiz de bem.

Infelizes aqueles que ainda não se sentaram na cadeira do cotidiano para beber do café da maturidade, esses vivem sem ao menos perceber quão frutuoso é burilar o próprio eu com todos seus paradigmas, enigmas, conquistas e aspirações. Perdi o medo de mim mesmo, prefiro tornar-me mais e mais um caçador de mim, procurando no mais profundo do meu âmago as respostas para as indagações misteriosas de minha existência, na audácia louca de humanizar-se.

Nem sempre a poesia é bela, às vezes ela causa estranheza, mas é por uma boa causa, é pela causa humanitária de jamais se esquecer de que sou gente e não um robô mecanizado, sem sentimentos, sem pensamento, sem liberdade, sem verdades e mentiras, sem graça e sem pecado. Como é bom ser a mescla enigmática de bem e mau, de santo e pecador, só assim posso descobrir o caminho da felicidade. Quem se aliena em posturas desumanas, robotiza a própria existência, passa a vida severamente se esquecendo e termina seus dias sem saber o que realmente se foi.

Sinto-me inspirado pelo mundo das idéias e questionado pelo mundo sensível. Das idéias eu retiro ensinamentos, do sensível as experiências sempre válidas de minha humanidade. Nas idéias busco respostas, no sensível a sensação da liberdade. Do meu eu fica a pergunta filosófica: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? E da vida fica a certeza - posso viver vários anos, porém não entenderei jamais a totalidade do mistério humano em suas facetas apaixonantes e delirantes.

Faço eco nas palavras de Clarice Lispector ao reverenciar a existência humana: “O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse”. No eterno diálogo entre o ser e o nada, fica o suspense do que vem depois do fim e o segredo dos porquês que a vida tem.  

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