Café da existência
Degustando a própria vida
Por Marcos Cassiano Dutra
Sentado na
cadeira do cotidiano fico a pensar sobre meus dias. O café das experiências,
hora doce, hora amargo, mas sempre bebido, degustado aos poucos para não perder
seu suave aroma de futuro. Na mesa redonda da realidade concreta está o jornal
da vida, algumas folhas escritas com manchetes diversas, outras ainda brancas,
prontas para darem uma notícia, oxalá que sejam boas notícias. Na calçada dos
sonhos estão meus projetos pessoais, afinal uma vida sem projetos perde seu
sentido, é preciso ter algo a que dedicar os dias. O sol da existência brilha,
porém em dias de chuva, se esconde nas nuvens que escurecem o roteiro natural
do tempo. A lua da consciência ilumina o anoitecer da escuridão noturna, qual
bússola a orientar os passos de quem caminha no devaneio da sina angustiante do
ser gente.
Como é
estranho tomar café com a própria história. Parece que tudo para e se faz
paulatinamente uma retrospectiva...Relembrar é bom, mas também é doloroso, a
vida não é só feita de fatos bons, mas de fatos nem tão bons e nessa hora tudo
vem a tona. Voltar ao passado causa certo incômodo porque passo a analisar tudo
com outro olhar, um olhar mais vivido e como é duro ter de admitir as
imprudências! Por outro lado há o aprendizado. Nada é em vão se sei retirar até
do mau uma raiz de bem.
Infelizes
aqueles que ainda não se sentaram na cadeira do cotidiano para beber do café da
maturidade, esses vivem sem ao menos perceber quão frutuoso é burilar o próprio
eu com todos seus paradigmas, enigmas, conquistas e aspirações. Perdi o medo de
mim mesmo, prefiro tornar-me mais e mais um caçador de mim, procurando no mais
profundo do meu âmago as respostas para as indagações misteriosas de minha
existência, na audácia louca de humanizar-se.
Nem sempre a
poesia é bela, às vezes ela causa estranheza, mas é por uma boa causa, é pela
causa humanitária de jamais se esquecer de que sou gente e não um robô
mecanizado, sem sentimentos, sem pensamento, sem liberdade, sem verdades e
mentiras, sem graça e sem pecado. Como é bom ser a mescla enigmática de bem e
mau, de santo e pecador, só assim posso descobrir o caminho da felicidade. Quem
se aliena em posturas desumanas, robotiza a própria existência, passa a vida
severamente se esquecendo e termina seus dias sem saber o que realmente se foi.
Sinto-me
inspirado pelo mundo das idéias e questionado pelo mundo sensível. Das idéias
eu retiro ensinamentos, do sensível as experiências sempre válidas de minha
humanidade. Nas idéias busco respostas, no sensível a sensação da liberdade. Do
meu eu fica a pergunta filosófica: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? E da
vida fica a certeza - posso viver vários anos, porém não entenderei jamais a
totalidade do mistério humano em suas facetas apaixonantes e delirantes.
Faço eco nas
palavras de Clarice Lispector ao reverenciar a existência humana: “O que eu
sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou
ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me
entendesse”. No eterno diálogo entre o ser e o nada, fica o suspense do que vem
depois do fim e o segredo dos porquês que a vida tem.
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