Uma Igreja popular
Os desafios da eclesiologia hoje
Por Marcos Cassiano Dutra
A Igreja é o corpo místico de
Cristo-Cabeça, é a comunidade de fé dos discípulos de Jesus, é a assembléia
batismal congregada em nome da Santíssima Trindade, mas é também povo de Deus,
como recorda a Lumen Gentium (Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II)
que deu uma nova característica à Igreja de Cristo ao reconhecer sua identidade
bíblica de ser popular, isto é, povo, cuja pertença está dedicada à Deus, o
qual, desde o Antigo Testamento, prefigura a imagem da Igreja no povo de
Israel.
Hoje,
passados cinquenta anos desse Concílio e da difusão do conteúdo da Lumen
Gentium, é urgente revisitar suas páginas, a fim de não deixar que ares velhos,
de mentalidade eclesiais ultrapassadas, venham embolorar a fisionomia da Igreja
de Cristo que é povo de Deus. O preconceito eclesiástico em torno da Igreja,
tida como popular, é visível, haja vista a investida litúrgica de movimentos de
fiéis e clérigos cujas bandeiras defendidas sobre o catolicismo são, por assim
dizer, anacrônicas, fantasiosas e fanáticas.
Porque
querer reviver um contexto eclesial medieval na época contemporânea, tão
distante de tal cultura religiosa? A religiosidade medieval tem sua importância
na história da Igreja, todavia não constitui em si a identidade total do
catolicismo, antes é uma parte do todo que chamamos história. O que aprender
com os cristãos medievais? Sem dúvida alguma o aspecto da contemplação, do
mais, tudo é digno de estudo, pesquisa e exposições, mas não de vivência na
prática católica hodierna. A piedade cristã contemporânea também tem sua
riqueza, valor e importância.
Quando
se estuda a história da Igreja, lê-se que antes, muito antes do período
medieval, dividido em alta e baixa Idade Média, houve o período do cristianismo
nascente, das primeiras comunidades cristã, de onde brota a maior parte da
Tradição. Período dos doze Apóstolos, de forma especial Pedro e Paulo, colunas
espirituais do edifício do Senhor. Que seria da cristandade medieva se não
fosse o sangue dos mártires dos primeiros séculos do cristianismo? Que seria de
nós hoje se não fosse a Patrística e a Escolástica medieval? Que será o futuro
cristão se não houver o hoje de ser católico no tempo e na história? A história
tem sua própria dinâmica natural, é um equívoco considerá-la algo paralelo ao
homem, pois o homem é um ser histórico e por ser histórico, influencia o curso
da história, aprimorando, progredindo e transformando-a.
Alegrar
e honrar o passado sim, mas não transferi-lo de maneira cultural total para
hoje! A sagrada liturgia em si não é uma mera repetição mecanicista de fatos
passados e sim a atualização do mistério pascal no memorial da Paixão, Morte e
Ressurreição do Senhor, então porque querer para no tempo e caducar a Lumen
Gentium e o Vaticano II? Quando algo se atualiza, ele se torna sempre novo e
próximo de cada época histórica, assim o é o mistério de Cristo, assim o deve
ser o catolicismo.
Interessantes
são as palavras do Beato Papa João XXIII que dizia não ser a Igreja um museu de
coisas velhas, mas uma comunidade de comunhão que ontem e hoje oferecem ao
mundo, de maneiras específicas, mas uníssonas, o baluarte da fé em Cristo
crucificado-ressuscitado.
Cristão
católico que se envergonha de chamar a Igreja de povo de Deus, ainda não
aprendeu o que é ser Igreja de Cristo e muito menos o significado do Batismo,
que nos incorpora na Igreja ao tornar-nos povo sacerdotal.
Quinquilharias
eclesiásticas devem ser descartadas, chega de bolor e poeira! Abramos novamente
as janelas de nossas igrejas para que o ar novo do Espírito Santo sopre mais
uma vez nesse Ano da Fé pelo jubileu de Ouro do maior acontecimento eclesial do
Século XX: O Concílio Ecumênico Vaticano II. Revisitar o Concílio, seus
documentos, constituições e decretos, eis a palavra-chave contra todo esse
fenômeno religioso que em vão tenta mergulhar a Igreja Católica em mentalidades
religiosas tendenciosas, cismáticas, as quais caducam a fé cristã,
desencarnando-a da realidade contemporânea, numa fuga das problemáticas que
envolvem o homem de hoje em suas angústias existenciais sobre a fé, a família,
a sociedade, a política e a própria vida.
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